(1) Encenação de Maria Ann Vargas,
com base na peça surrealista O Público de Federico Garcia Lorca,1930










Joana:  Quando me deparei com as tuas imagens, ou melhor, com as fotografias tuas personagens, interessou-me pensar sobre como este tipo de relação - de comunicação - pode ser encontrado no processo que implica que "alguém crie alguém". De facto, é um processo que me é totalmente desconhecido e que, no limite, me deixa apenas esta sugestão - de que quem cria terá de se apoiar nas verdades de um alguém que não existe, para o criar.


Susana:  As fotografias são de um espectáculo encenado por Maria Ann Vargas que teve com base a peça surrealista O Público de Federico Garcia Lorca, escrita  em 1930. Esta peça foi considerada uma das obras de teatro Espanhol mais importantes do século XX. Esta peça surrealista de Lorca, é sobre a intimidade, as pulsões, os desejos homossexuais reprimidos, sobre a liberdade erótica e ao mesmo tempo transmite-nos um grande desespero e opressão.  É uma peça belíssima com momentos de uma brutalidade imensa e outros de pura poesia, é sem dúvida uma afronta, principalmente à mentalidade conservadora Espanhola dos anos 30 do século XX.

Quando me perguntas sobre o processo “de alguém criar alguém”, as personagens já estavam escritas pr Federico Garcia Lorca, foi apenas tentar escutar o que a encenadora queria deste espectáculo e tentar dar-lhe voz usando a linguagem visual do figurino. Como é uma peça surrealista que começa por explorar o teatro dentro do teatro e que tem personagens que vão desde o Encenador, a Cavalos, uma Figura de Guizos, uma Figura de Parras (ramos verdes) um Imperador, um Traje de Bailarina, um Traje de Arlequim e por aí fora., esta riqueza de personagens permite-nos explorar inúmeros processos metafóricos para revelarmos ao espectador a condição profundamente dramática e inquietante desta peça.


Joana:  Reflectindo sobre a tua prática e na ideia de que a obra de arte poderia ser o fruto de uma troca de confidências, dirias ser pela própria obra que se revela, ao espectador, o objecto confidencial (o “segredo”)? Ou é esta obra que detém a condição confidencial desse objecto?


Susana:  Aquilo que a obra pode revelar ao espectador, muitas vezes terá mais a ver com o espectador que com a obra. Só conseguimos ver aquilo que está em ressonância connosco.


Joana:  No teu trabalho ou na tua prática, qual é o espaço para a existência de comunhões contraditórias - como entre um sentimento vulnerável e um sentimento destemido; ou entre um gesto confiante e um gesto inseguro?


Susana:  Creio que esse espaço existe sempre tanto no quotidiano como na arte. A exposição de um actor em cena é sempre de uma vulnerabilidade imensa ao mesmo tempo que um acto imensamente destemido, bem como a exposição do encenador. Pode haver sempre insegurança no gesto confiante. A arte, e neste caso o Teatro, vivem dessas dicotomias e conflitos interiores seja das pessoas que pertecem ao colectivo artístico muitas vezes reflectindo as das próprias personagens da peça. Enquanto figurinista o meu processo também é, muitas vezes, contraditório. Neste espectáculo a beleza está muito nas tensões entre a asfixia e a liberdade, entre o sublime e o brutal, entre o sexual e o platónico.


Joana:  Que factores são mais influentes na tarefa de idealizar a imagem de uma personagem?


Susana:  Primeiro é ler a peça para se começar a ter uma ideia do que é que estamos a falar, depois é conversar com o encenador ou encenadora e perceber qual é a visão que eles querem explorar. Depois, já com alguma pesquisa feita, vou ver ensaios. Gosto muito de observar quem faz o quê, é fundamental perceber a compleição, a forma de se movimentar, etc. de quem está a fazer a personagem X porque pode ser completamente diferente daquilo que eu tinha em mente. A criação do figurino é o conjunto de todos esses factores que se vai adaptando e modificando.





︎︎︎