(1) S/ título, 2020.
Acrílico s/ papel rosaspina FABRIANO 220g
50 x 35 cm

(2) S/ título, 2020.
Acrílico e gesso acrílico s/ papel rosaspina FABRIANO 220g
50 x 35 cm














Maria Luísa:  “Penso que todos os meios da prática artística de um indivíduo são agentes detentores dos seus gestos em confidência. No fundo, que é uma dimensão indiscernível do processo artístico. E ela pode aqui ser o mote para colocar várias questões sobre a ideia de confidência e confidente.”

Assumindo que o nosso trabalho parte de uma confidência que regista intimidade com cada obra que nasce e que ela mesma grita de cada vez que se expõe, então faz dos criadores os seus únicos intrínsecos confidentes. No entanto, o ato de os expor, liberta-os do confinamento ao seu sujeito, tal qual, ele corre ribeira abaixo, sem culpa e sem retrocedimento. 


Joana:  Quando decidi integrar o teu trabalho (e neste caso tu, enquanto autora) no Baú, senti que poderia haver pontos de encontro entre ambas quanto a esta relação do artista com a sua obra - a confiança no método, no processo, necessária ao "bom funcionamento" desta relação (que muitas vezes passa por desequilíbrios). O que quero dizer é que essa intimidade intrínseca à produção e "nascimento" de uma obra, que referiste, pareceu-me ser visível principalmente num "acto de confiança em quebrar uma regra", em confiar que se podem contornar determinados caminhos para apontar para uma realização muito pessoal. E aqui, julgo que o teu trabalho me fala muito de como a leveza e o "silêncio" do material podem aguentar e finalmente despoletar estas "confissões".


Maria Luísa:  Achei muito curioso referires a leveza e o silêncio através do material porque realmente estão sempre implicados. Ainda mais interessante o "quebrar uma regra", isto porque, tendo eu sempre uma metodologia muito rigorosa no começo, logo no entretanto do "fazer", confio inteiramente tanto no material, como na minha capacidade pictórica, são eles que me fazem quebrar as regras iniciais. Vejo a obra como que um vestígio, tanto de um acumular de matéria, como do seu inverso, é esse diálogo secretamente vital.

As decisões durante a manipulação da matéria através dos riscadores são um acto de enorme confiança. Eles fazem-se servir e depois acarretam uma missão, o complexo processo intransmissível por parte do espectador. Este também pode ser um momento silencioso.


Joana:  Devo dizer-te que as tuas reflexões e comentários me despertam para traços e perspectivas facilmente identificáveis na tua obra - e por isso, obrigada por falares sobre a tua envolvência no acto do fazer e seres tão clara quanto a isso.


*


Joana:  Reflectindo sobre a tua prática e na ideia de que a obra de arte poderia ser o fruto de uma troca de confidências, dirias ser pela própria obra que se revela, ao espectador, o objecto confidencial (o “segredo”)? Ou é esta obra que detém a condição confidencial desse objecto?


Maria Luísa:  Estando a converter qualquer ideia autoral num objecto palpável, já é em si mesmo uma confidência em exposição, um secretismo sem o ser. O momento do fazer alberga unicamente a comunhão entre o sujeito e o novo ser antes de este o ser. Deve ser uma simbiose por definição entre sujeito/ser.

O objecto passa a ser autónomo e portador de exclusividade daquelas que foram as nossas confissões, um registo documental.

Sendo um documento vivo acarreta a possibilidade de ser apresentado em diversos contextos determinante de postura do espectador. É na consciência do espectador que a obra existe e a percepção de qualquer obra é intransmissível.


Joana:  No teu trabalho ou na tua prática, qual é o espaço para a existência de comunhões entre um sentimento vulnerável e um sentimento destemido; um gesto confiante e um gesto inseguro?


Maria Luísa:  No meu trabalho são ambos os gestos em ambos os sentimentos.


Joana:  Qual é o valor da cor para ti? Que lugar ocupa este elemento na tua prática?


Maria Luísa:  A utilização da cor não é uma prioridade ao invés da forma. A preocupação começa na forma e é através da vulnerabilidade do papel que se constrói um corpo como sugestão de paisagem movido pelas possibilidades dos suportes. Não penso na cor como decorativo mas no entanto, é uma escolha posterior à concretização sem a anulação da cor do suporte, sem a pretensão de um referente sendo nelas mesmas uma nova realidade que se cumpre dentro do seu universo. As divisões, subdivisões, rasgos, manuseio são parte integrante da leitura desta série. Prendo-me à ideia de paisagem em suporte vertical, e é através do conhecimento visual da cor que ela se reencontra com a harmonia. No fim, não é relevante ser uma imagem, nem uma representação de paisagem, nem importa ser uma figura. Nesta série através das estrias verticais trabalhei no ritmo e na veracidade do suporte e para isso é necessário servir-me da potencialidade do suporte trespassado pelo pigmento.





︎︎︎