Distância

Exposição Digital



Sala Uma



Margarida
d’Oliveira
Martins







I.





Vamos adiar este abraço fundo,


Pois no adiá-lo encontraremos mais nítida,


A Primavera.





Sejamos como o curso do rio que jamais se apressa


Por entre os juncos e as pedras, no caminho


Para o mar.





Seremos habitantes do momento que não vivemos,


Sem que desapareçamos na translucência das horas dos dias


Que passam.





Se não o fizermos, não veremos planícies nas quais não correremos,


Seremos qual Sísifo e haverá sempre


Uma Montanha.





Saibamos passar levemente, sem elevar as mãos para colher,


No olhar estará o sabor do fruto que poderíamos provar,


Se quiséssemos.





Então os dias passarão por nós sem que nos movam,


Como na terra antiga de um sonho, onde sempre parecia


Ser de tarde.






II.





O vento sopra,


Os ramos estremecem ali,


Serão os meus olhos?


Será que o vento está morno,


Ou frio, como uma corrente


Que evoca o Inverno?





Há máquinas na rua,


O movimento eventual,


Para onde irão as nuvens?


Foi a chuva que regou


As flores nos parapeitos,


E cantarão os pássaros?





E esta tela fria


A que me colo,


De que me protege?


A porta está aberta,


Mas não experimento


A loucura dos passos.







III.





Senta-te junto ao rio.


Deixa que as Cárites dancem espalhafatosamente.


Deixa que cresçam flores, e que haja alegria,


Deixa que chova, até.


Mas não te alegres com elas.





Levanta-te devagar.


Passeia em direção ao sol (se estiver sol),


Mas não deixes que o teu destino te entusiasme


Ou estugarás o passo.


Caminha sem pressa.





Guarda tudo.


A cesta que levares não deve ter fundo,


Para que tudo se perca propositadamente,


Sem que no perder


Haja surpresa.




A noite virá, entretanto,


E se uma coisa bela te assomar à memória,


Deixa que passe por ti como chuva num oleado,


E adormecer será como


Continuar a caminhar.







// Margarida d’Oliveira Martins

28 anos. Advogada e Mestre em Direito, em Ciências Histórico-Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde me licenciei e leccionei. Registo mais comum é o da escrita em prosa, embora a poesia seja um interesse que gosto de aliar a correntes filosóficas e de pensamento. Antiguidade e Alta Idade Média são áreas de estudo sobre as quais me tenho debruçado.



// Na altura das distâncias, uma re-leitura de Fernando Pessoa no heterónimo de Ricardo Reis ganha uma nova dimensão. Olhar a distância (física e metafísica) não com a raiva da limitação, mas com a benevolência da aceitação e indo mais além: com a abnegação da própria proximidade pois esta traz um estado de euforia rejeitado pelo poeta. A corrente de pensamento que lhe serve de base, o epicurismo, convida a um estado de felicidade plácido e dormente que, mais do que aceitar, impõe a ausência do toque, e só aí acredita poder colher a satisfação verdadeira, que é a que advém da sua antecipação.

- Margarida d’Oliveira Martins