Distância 


Exposição Digital_Janus Project




Ando a reler Rainer Maria Rilke. No momento em que me deparei com as páginas 42 e 43 do livro Cartas a um jovem poeta, onde o escritor checo escreve uma das dez cartas que trocou com o jovem poeta Kappus, percebi que este era o fio a desenrolar.

“Nós somos solitários. Tome isso como o nosso ponto de partida. Se o fizermos, o efeito é reconhecidamente um efeito de vertigem; pois todos os pontos em que estamos acostumados a descansar os nossos olhos são retirados de nós, não há mais nada por perto e tudo o que é remoto é infinitamente assim. Alguém transportado do seu quarto, quase sem aviso e intervalo, para o topo de uma montanha alta, sentiria algo assim: seria virtualmente destruído por uma sensação incomparável de insegurança, por uma exposição a algo sem nome. Pensaria que estava caindo ou acreditando estar lançando-se no espaço ou quebrado em mil pedaços: que mentira monstruosa o seu cérebro teria que inventar para controlar e esclarecer o estado dos seus sentidos. Do mesmo modo, todas as distâncias, todas as medidas se alteram para quem se torna solitário; muitas dessas mudanças ocorrem repentinamente de uma só vez e, como o homem no topo da montanha, ocorrem imaginações incomuns e sensações curiosas que parecem assumir dimensões maiores do que as toleradas. Mas é necessário experimentarmos isso também. Devemos aceitar a nossa existência no sentido mais amplo possível, tudo, mesmo o inédito, deve ser possível dentro dela. Esse é o único tipo de coragem que nos é exigida: a coragem pelas coisas mais estranhas, inesperadas e inexplicáveis que possamos encontrar.” (Rainer Maria Rilke)

A distância da existência humana. Esta é a preocupação fulcral: discutir a ideia de proximidade e de distância no espaço. É este o tempo de insistir no escape como distância imensurável dentro do próprio ser. É este o espaço de proximidade e de esbatimento das distâncias humanas ou, como pode bem acontecer, de afastamento. Estas não são distâncias geográficas, pois não podem ser medidas em quilómetros, mas devem ser medidas em energia e emoções, como o stress, a ansiedade na transiência, a melancolia ou a alegria, a criatividade, a serenidade, a gratidão; e em substâncias como o tempo, as palavras, os gestos, o suor e as lágrimas.

Não se pretende aqui discutir as águas paradas, nem a terra estéril ou o que já foi, mas, de facto, pretende-se questionar as distâncias e a possibilidade de visitar novos lugares, sem sair do mesmo lugar. Parte-se, portanto, de um espaço de silêncio interior para chegar a um espaço conjunto, visitando e revisitando obras dos artistas selecionados ou encontrá-las no tempo infinito enquanto ocorre a expansão de um espaço de transição, parte passado, parte futuro.

A interrupção da socialização dita normal provoca um impasse na forma de comunicação e, mais que tudo, na expressão de emoções e verdades intrínsecas que ocorrem no corpo físico de cada um. Sabendo que as jornadas de Kafka são infinitas, onde não há partida real e não há chegada realizada, é na poética da não chegada que me baseio. Não devemos querer chegar a um ponto marcado. Mas entrar num caminho de procura e de encontro ou desencontros cheio de potencialidades para atingir novos troços que se desenrolam por sua vez em outras possibilidades.

Digamos que é como um esboço com várias fases antes de atingir o inatingível. E não havendo momento final para atingir, demorar-se nos significados, nas sensibilidades, nos ânimos. Atravessando a dor da distopia e decidir dar um passo no embarque do desenvolvimento e na conquista do encontro com o outro para que possa existir um encontro pessoal e único.

Judith Butler fala, portanto, na distância entre um lugar e outro que pode ser infinita, dadas as condições espaço-temporais do ‘aqui’. Torna difícil a tomada de decisão que aponta qual a direção a tomar. Depois, é a vez de Benjamin e Adorno fazendo uso de expressões ou ações que congelam a condição humana que respira diariamente numa procura incessante e interminável pela auto-superação. O estado incompleto. O que falta e o que há de vir nas várias dimensões da condição humana. A abordagem preferida do ser humano é a da sensibilidade, do toque, da experiência. No entanto, o espaço não é só o espaço do foro físico, não há longe nem há perto, o espaço é o que cada indivíduo faz no espaço em que existe, com o que dispõe. Um lugar longe ou um lugar fora da janela; da porta; das paredes que compõem o espaço interior.

Nesta exposição digital, em cada obra apresentada encontra-se a fragilidade de estar em um lugar que não é suportado por um território. A meta é essa: abrir páginas e navegar a distância infinita entre os lugares dos artistas, os lugares de quem sente e de quem é interpelado. Trocando distâncias como quem troca pontos nos números das coordenadas da sua existência. As amarras ao digital fazem com que este seja o momento mais oportuno para falar de distância, um lugar que pretende ser transformativo entre os refúgios da liberdade de cada um.

- Francisca Gigante



Ficha técnica






Beatriz Banha
SemTítulo#26
Negativo de cor, 35mm
Fevereiro 2020


Beatriz Banha
SemTítulo#29
Negativo de cor, 35mm
Fevereiro 2020


Beatriz Banha
SemTítulo#33
Negativo de cor, 35mm
Fevereiro 2020


Beatriz Banha
SemTítulo#35
Negativo de cor, 35mm
Fevereiro 2020


Beatriz Banha
SemTítulo#38
Negativo de cor, 35mm
Fevereiro 2020


Beatriz Coelho
Facing Técnica mista s/ tela
45 x 40 cm
2019


Beatriz Coelho Tick-tack (slowness)
Serigrafia intervencionada com colagem, 47 x 65 cm Papel Academia 350 gr / Papel Connoisseur 350 gr
Edição de 100 exemplares
2019


Carla Madeira
Foto 6572
Algarve
Julho 2018


Carla Madeira
Work in Progress


Carla Madeira
O Sentido da Vida: Intróito


Carla Madeira
O Sentido da Vida: Eyes Wide Shut


Carla Madeira
O Sentido da Vida: Ou Não


Carla Madeira
Tu Escolhes




Duarte Rosado sj e Nuno Branco sj
Isaías 58
Vídeo. Desenho feito em aguarela, pastel, marcador e esferográfica
Março 2019



Francisco Correia
Sem título (fragmentos)
Acrílico, spray, esmalte acrílico e esmalte sintético sobre tela
40 x 30 cm
2019


Francisco Correia
Sem título (fragmentos)
Acrílico, spray, esmalte acrílico e esmalte sintético sobre tela
35 x 25 cm
2019


Gonçalo Albergaria
I thought Country was something else,
but found it is something else
Print_2
Instalação em mixed media
540 x 6 cm
2019


Isabella Toledo
7
Vídeo
2020
Joana Galego
Cópia
Aguarela, grafite e caneta de feltro sobre cartolina
29.5 x 21 cm
2020 em quarentena


João Maria Pacheco
Folding Field
Vídeo performance, 7.43 min
Dimensões variáveis
2019



MOM
Quien soy yo, quando no me entero
Livro
Impressão a jacto sobre papel reciclado 180 g/m2
7x21 cm, 128 páginas
2015, Madrid


MOM
Collage nº 64
Fotografia digital
2015


MOM
Collage nº 66
Fotografia digital
2015


MOM
Collage nº 68
Fotografia digital
2015


MOM
Collage nº 69
Fotografia digital
2015

MOM
Collage nº 74
Fotografia digital
2015


MOM
Collage nº 75
Fotografia digital
2015


Marco Pestana
ramos de carvalho I and II.
Tinta da china sobre papel sumi-e 80gr
21 x 29 cm
2019

Marco Pestana
Conhecer uma árvore implica conhecer-lhe as estações
Fotografias feitas em filme, Kodak T-Max 400
2020


Margarida d’Oliveira Martins
A Não-Euforia ou Uma Ode a Ricardo Reis


Maria Appleton
9200
Série Places In Between Nowhere and Everywhere
Seda, linho, algodão, corantes ácidos e variedade de capas
2019


Nuno Gonçalves
Sem Título
Lápis de cor sobre papel
21 x 14 cm
2017


Zizi Ramires
Ataque!
montagem e desenho digital
3000 x 3000 px, 640 dpi
2020


Zizi Ramires
Dallol 30
trabalho digital
2020


Zizi Ramires
Dallol 31
trabalho digital
2020