(1) (2) (3) (4) S/ título

Acrílico sobre papel
29,7 x 21 cm
2020.










Inês:  A palavra “Confidência” remete-me para uma possível abertura do eu para o outro. De pôr a descoberto uma parte do nosso ser, mesmo que ínfima. A sua beleza está, a meu ver, na posição vulnerável em que de forma voluntária o confidente se coloca. A fragilidade do ser que se apresenta desarmado e num momento íntimo confia a sua ferida a alguém.

O momento de confidencialidade é um momento de verdade. É quando o eu revela uma parcela desse seu ser a alguém. O confidente – aquele a quem esta foi confiada – passa a possuir esse fragmento do eu, guarda uma parte deste ser em si. Esta confiança que se deposita no outro pode ser um acto de amor, um confidente é por vezes um amante.

A relação do artista com a sua própria imagem poderá ser um desses lugares, onde acontece esta confidencialidade. Mesmo que ocorra de uma exaltação narcisista, ela contempla um lugar íntimo onde o artista se confronta consigo mesmo. Aqui o artista confia-se a si, participa no descobrir-se constante e na procura de uma imagem que seja capaz de representá-lo. Por vezes, esta imagem afasta-se da semelhança com o seu rosto ou pode manter-se fiel ao modelo. Mais tarde, deixa que a sua própria imagem lhe fuja para ser exposta a um possível observador. Ao criar-se um retrato, este objecto emancipa-se do seu modelo, como um segredo que é confiado a alguém deixa de pertencer ao sujeito que o revelou.


Joana:  É muito curioso perceber que te dedicaste a delinear os contornos de uma confissão e do acto de confidenciar, de forma que me parece tão íntima. E quando leio intimidade nas tuas reflexões, sinto que  também esta particularidade se enquadra realmente no tipo de obra que decidiste apresentar - o auto retrato.

Anotei a maneira como referiste a possibilidade de tomar o gesto de confidenciar  como um acto de amor, de uma forma vulnerável e ao mesmo tempo (segundo interpretei) de forma serena, ainda que o segredo se trate de uma tal "ferida", como lhe chamaste. A partir desta ideia do gesto de amor e do amante (como uma relação confidenciar-confidente), estendo-a até ao que escreveste sobre a tua prática - sobre a representação e o estar nessa acto de representação - e absorvo um sentimento de alívio como o culminar desta relação, entre o artista, o fazer, e os seus "alvos".


Inês:  De certa forma nunca chega a existir um alívio pleno. É verdade que quando estou a trabalhar existe um certo consolo por estar completamente absorta naquilo que estou a fazer, e porque quando desenho ou pinto é o corpo que trabalha muito mais do que o intelecto. Contudo, quando esse tempo do fazer acaba, volto à constante insatisfação, é muito raro sentir um enorme prazer quando termino um trabalho.

*


Joana:  Reflectindo sobre a tua prática e na ideia de que a obra de arte poderia ser o fruto de uma troca de confidências, dirias ser pela própria obra que se revela, ao espectador, o objecto confidencial (o “segredo”)? Ou é esta obra que detém a condição confidencial desse objecto?


Inês:  Não me interesso por transmitir uma mensagem ou uma narrativa. Claro que gosto de pensar que uma pintura carrega um mistério, mas esse nunca se revela completamente, porque estamos no campo sensorial que não corresponde à linguagem à qual estão submetidos os segredos.


Joana:  No teu trabalho ou na tua prática, qual é o espaço para a existência de comunhões entre um sentimento vulnerável e um sentimento destemido; um gesto confiante e um gesto inseguro?


Inês:  É na observação da realidade que ocorrem no meu trabalho essas comunhões. Um gesto pode ser espontâneo e carregado de uma força física forçando a olhar o objecto que se quer representar na sua totalidade; como poderá ser lento pressupondo um repetido movimento entre olhar o real e o desenho. Contudo, não sei dizer qual deles é vulnerável ou destemido, confiante ou inseguro.


Joana:  De que maneira e onde guardas um auto-retrato, quando o dás por concluído?


Inês:  Por enquanto, não tenho um lugar privilegiado para guardar o meu trabalho.





︎︎︎